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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Toda Forma de Amor (The Beginners): minhas impressões.


Oliver (Ewan McGregor) é um jovem contemporâneo norte-americano. Classe média, mora em uma linda casa em Los Angeles, trabalha como designer numa empresa do momento, é inteligente, elegante, bonito e infeliz. São as reflexões e memórias desse moço apático que dão forma e sentido ao filme Toda Forma de Amor (The Beginners, 2010), uma obra que, de modo geral, podemos dizer, está debruçada sobre a complexidade hodierna das relações familiares. O pai de Oliver, o curador de arte Hal Fields (Christopher Plummer, ator que ganhou o Oscar por sua atuação coadjuvante nesse filme) vive seus últimos momentos de vida, vez que sofre com um câncer terminal. O trágico, no entanto, não reside na eminência da morte de Hal, homem de terceira idade que atravessa por um processo relativamente natural de fenecimento. O trágico em The Beginners está na ironia cruel que envolve a família de Oliver. Após a morte de Georgia (Mary Page Keller), a sua mãe (um acontecimento apenas citado no filme, mas não tratado de forma muito objetiva - o enredo da obra se constrói mesmo em torno da morte do pai de Oliver), Hal decide revelar para Oliver que é gay. Essa revelação provoca profundos impactos na sua vida, fazendo com que ele comece, então, a entender melhor o vazio sobre o qual, durante 40 anos, constitui-se o casamento de seus pais.
The Begginers é estruturado em uma linguagem não linear, que, portanto, trata a cronologia da vida de seus personagens de forma difusa, quase líquida. Um recurso que, antes de confundir, faz com que o espectador mergulhe no universo sincrônico da obra - tão sutis são as fronteiras entre o presente e o passado na realidade de Oliver. Dessa forma a audiência é levada a perscrutar a autoafirmação tardia de Hal, assim como as dificuldades que esse homem, no alto de seus setenta anos, enfrenta ao exercer sua identidade gay, em um mundo dominado pela juventude.
A incursão de Hal no mundo gay é objetivada a partir das memórias de Oliver, que narra a transformação do pai por meio de um tom levemente perplexo, mas, de certa forma imparcial, quase frio.  Esse elemento do filme lhe confere seus momentos mais cômicos, dada a forma leve, porém não menos livre de um não sei o quê de tristeza e decadência, com que a imersão de Hal no circuito homossexual de Los Angeles é retratada. Cristopher Plummer compôs um homem menos amadurecido pelo exercício de sua natureza do que pelas experiências infelizes da repressão sexual de uma sociedade puritana.  Um personagem muitas vezes inocente e deslumbrado diante das novidades de uma vida a qual, até então, só tinha sido possível conhecer as sombras.
Hal passa a participar de coletivos GLS, namora um rapaz 40 anos mais jovem, e assume o hábitus de senior gay com o qual sempre sonhou.  Vive seu auge pessoal durante quatro anos, até descobrir que está com seus dias contados. A vida na qual havia tão recentemente principado, como um jovem no limiar de seus caminhos – a beginner - teria que ser interrompida de forma inexorável.  Ele compartilha essa realidade trágica apenas com seu filho, o nosso narrador, que passa, com isso, a carregar nos ombros toda a infelicidade com a qual, acredita ele, estiveram entretecidas as existências de seus pais.
Diante da constatação de uma realidade subterrânea no seio de sua família, Oliver começa questionar a lógica sob a qual se apresentava a versão “oficial” dos fatos que, até então, fundamentavam o seu modo de ver e viver no mundo.  Esses novos dados o fazem viajar de volta para o mundo solitário de Georgia, a sua mãe, e testemunhar, mais uma vez, e então incisivamente, a forma como ela estava presa a um casamento automático e sem vida. Oliver faz uso da memória coletiva de seu tempo - o espírito impresso nos jornais, nos filmes e nos anúncios publicitários - para nos dizer como os imperativos sociais foram preponderantes para confinar a identidade sexual de Hal. Ele mostra, através desses recursos relativamente externos ao caso, a forma como a sociedade norte-americana operava na a concepção de um modelo padrão para a instituição familiar. Esse é o plano de fundo de The Beginners: um argumento que se sugere como o ditame para as dinâmicas objetivadas no filme. Um plano que fala da crudeleza velada com a qual são tratadas as relações e os fenômenos sociais que não concordam com aquele padrão estático e incontestável pincelado nas reflexões de Oliver.
The Beginners tem como acessório fundamental a relação de Oliver com Ana (Mélanie Laurent), uma atriz francesa que, ao seu modo, também atravessa por crises existenciais. É no envolvimento desses dois personagens que se aprofunda o que, digamos assim, podemos chamar de “a moral do filme”. O romance de Oliver e Ana é intensamente marcado pelos traumas familiares que esses indivíduos, com destaque para o padecimento de Oliver, carregam para suas vidas adultas. O casal de namorados não é capaz de escapar da sombra de seus pais, exemplos práticos do fiasco irreversível que pode ser a vida conjugal. Estão, portanto, embargados pelo medo de principiar naquela que pode ser a única tentativa certa de alcançar a felicidade - tão sólida é a herança maldita de seus progenitores. Psicanálise pura.
A presença marcante de Laurent, e não só isso, como também toda a atmosfera fluída e a sensação de que o filme foi gravado em grande parte sob aquela orientação revolucionária de “ideia na cabeça e câmera na mão”, faz com que, em muitos momentos, The Beginners traga algo do prolífico cinema francês dos anos 1960 e 70.  Mike Mills, ao que tudo indica, concebeu esse filme como um belo tributo à Nouvelle Vague: impossível não lembrar de filmes como A band apart (Jean-Luc Godard, 1964) ao assistir a sequência em que o casal protagonista vai a um clube de patinação, cria caso por causa do cachorro de estimação de Oliver, anda de patins pelas ruas de Los Angeles e finda, ainda sobre os patins, num passeio pictórico pelo corredor de um luxuoso hotel. 
O filme é muito bom. Não vou contar o final. Pra isso existem os DVDs nas locadoras e os arquivos disponíveis na web que podem trazer pras suas vidas, muito melhor do que este meu texto, a beleza e as verdades nem sempre belas que The Beginners encerra em si.
Amor,

Wyncla.   

Um comentário:

  1. Lindo Wyncla:) A cada texto seu, uma surpresa!To louca pra ver "The beginners"!
    beijosss

    Carol

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