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sexta-feira, 30 de março de 2012
Despertar
terça-feira, 20 de março de 2012
Drogado por Madonna: resenha de MDNA, o novo álbum da diva mais libertina do pop

Há várias formas de escrever sobre a música de Madonna. É possível tratar seus trabalhos recentes através de comparações com seus inúmeros sucessos anteriores, refletindo acerca das profícuas autorreferências dessa artista, tamanha é sua bagagem profissional. Outra maneira é discutir sua música pelo viés técnico, através da análise do trabalho dos produtores envolvidos – exercício que permite, também, uma reflexão do próprio cenário pop em si. As músicas de Madonna podem ser estudadas, também, pela tônica ideológica que envolve a atitude de uma mulher que sempre esteve à frente de seu tempo e ao lado de causas sociais. Ao longo de toda sua carreira, usando a arte como arma, Madonna se envolveu no combate a determinadas formas de opressão contemporâneas, principalmente no que se refere às questões étnicas e de gênero. Neste texto, atenho-me a apresentar uma reflexão que evita tratar MDNA (Universal Music, 2012), o novo álbum de Madonna, através de uma abordagem feita somente para o paladar dos fãs. Considerando o perfil dos leitores desse blog, proponho uma resenha cujo escopo é falar do trabalho artístico registrado no MDNA, desenvolvida a partir da visão de um cara ligado em música e direcionada para pessoas que sabem reconhecer uma boa obra de arte quando dela diante estão. Outro motivo que me leva a publicar sobre Madonna neste blog é o alinhamento que eu percebo entre a postura dessa artista e o ideal que alimenta o Cravos da Libertinagem: afinal de contas, quem, no mundo pop e melhor do que essa poderosa senhora, foi a mais contundente personificação do espírito libertino?
O título do novo disco de Madonna faz referência explícita à metilenodioximetanfetamina (MDMA) – a nomenclatura técnica do ecstasy, a pílula do amor. Essa polêmica alusão não é aleatória. Realmente, todas as faixas do álbum possuem um verniz de paixão e decadência, euforia e depressão – os estados extremos que podem ser incitados pela química e pelo amor. Toda a ampla experiência da artista, enquanto mulher e entertainer - sobretudo enquanto mulher- estão dispostas nesse álbum que flerta com o que há de melhor no cenário do electro pop europeu. MDNA conta com a relevante colaboração, dentre outros, de Martin Solvieg, Will Orbit, Benny Benassi e Mika.
As novas músicas de Madonna possuem, em parte, reminiscências de ritmos oitentistas que levam a audiência mais saudosista a repousar suas lembranças sobre os teclados futuristas do Human League, assim como nas batidas elegantemente tétricas do New Order. Essa característica do disco aproxima Madonna dos músicos contemporâneos mais alternativos, (Yeah Yeah Yes, Lady Hawke, La Roux e Alphabeat, por exemplo) cujos trabalhos são entretecidos pelo pastiche, alimentado pelos ícones do pop rock os quais, em “priscas eras”, compunham a realeza da música popular mundial. (Michale Jackson, Queen, David Bowie, Kate Bush, Depeche Mode, The Cure e, como não poderia deixar de ser, a própria Madonna são algumas dessas referências). MDNA, em alguns momentos, soa totalmente noventista, trazendo faixas que remontam ao rock high tech de bandas como Garbage e The Cardigans, sem falar da sonoridade sempre sofisticada e, nada obstante, atemporal que lembra o álbum Ray Of Light da própria Madonna, um dos discos de música eletrônica mais aclamado pela crítica mundial e vencedor de quatro Grammys. Esses elementos mais experimentais fazem de MDNA a trilha sonora quase perfeita para um gueto musical, perdido no recôndito da área industrial de alguma metrópole na Europa Setentrional. Algumas músicas desse disco tem o poder de transportar o ouvinte mais sensível para um pub instalado em um metrô desativado de Bruxelas, espaço que poderia ser o palco perfeito para apresentação de bandas como Bitch Boys e Kraftwerk.
No entanto, MDNA, sugere-se, também, muito alinhado ao que há de mais atual na cena do dance pop. Não à toa, principalmente as produções de Benassi, estão explicitamente orientadas para a pista de dança e integrarão, muito facilmente, a lista dos hits mais quentes que farão bombar as baladas em sítios mais ordinários da música eletrônica, como é o caso das praias luxuriantes de Ibiza. E nesse aspecto, na versatilidade da obra, está assente a magia, não só do mais recente trabalho de estúdio de Madonna, mas de todo o conjunto de sua obra: o poder de criar peças de arte, as quais, coerentes, dialogam tanto com undergraundo quanto com o meanstream. Afinal, são poucos os artistas que conseguem, sem parecerem imaturos ou pedantes, combinar boogie woogie com sinfonias dannyelfmanianas, migrando, em uma só música, da despretensão pueril típica de grupos como as Spice Girls para a atmosfera sombria e rebuscada dos filmes de Tim Burton.
Apesar de fundamentar-se na história individual de Madonna enquanto compositora e produtora de música, MDN não é “mais do mesmo”. É antes a prova de que ela, a rainha incontestável do pop, é capaz de surgir cada vez mais como um diferencial meio aos artistas do ramo que são, confessadamente, seguidores do caminho que essa superstar criou. A despeito de todas as injúrias, comparações e barracos entre os fãs, MDNA mostra uma musa pop que em nada remete ao que suas jovens “concorrentes” produziram até então. Com seu mais recente trabalho, Madonna, inspirada pela decadência das construções sociais – o amor é uma das mais representativas entre elas nesse álbum – e apoiada pelo vigor da juventude de músicos ávidos pelo novo, pelo incomum, apresenta aquele que, arrisco por minha conta dizer, um dos melhores discos de sua brilhante e libertina carreira: MDNA !
Quem tiver interesse, pode ouvir MDNA neste link: http://madonnaonline.mtv.uol.com.br/2012/03/19/ouca-aqui-o-album-mdna-completo/
sábado, 10 de março de 2012
Não mata, mas faz mal
Feminismo e ciência: uma visão sociológica
A Revolução Francesa de 1789 reformulou a sistema político vigente da França, através de uma intensa mobilização social que tinha como princípios a liberdade, a solidariedade e a igualdade. Mesmo tendo sido fomentada pela nobreza de tais sentimentos, a proclamação dos direitos universais, resultante dessa revolução, não incluiu as mulheres em pé de igualdade em suas disposições. Foi diante dessa injustiça, centrados em uma intensa crítica às origens da democracia, que foram constituídos os primeiros movimentos feministas do mundo. Desde então, período historicamente marcado pelas revoluções democráticas, a mulher, organizada em dinâmicas e grupos de contestação, vem unindo forças para lutar em função do reconhecimento de seus direitos, desafiando os paradigmas excludentes e obsoletos da sociedade em que vive.
A partir da segunda metade do século XX, aliado à produção intelectual, o feminismo deixa de ter um caráter simplesmente reivindicador, para se tornar um movimento mais politizado e satisfatoriamente munido no combate às estruturas de dominação_ entre elas, a própria ciência. Em relação a esse aspecto do movimento, o desenvolvimento científico que acarretou na criação de novas tecnologias reprodutivas foi o um dos focos principais das análises e questionamentos das cientistas feministas.
A atualidade apresenta aspectos interessantes no âmbito das novas configurações da família e dos meios de reprodução humana. No quesito maternidade, a ciência tem produzido recursos que possibilitam à mulher um variado leque de opções para contracepção e até mesmo para fertilização do óvulo. Em uma análise superficial seria fácil concluir que todos esses avanços têm ajudado a mulher a administrar melhor sua saúde, dando-lhe maiores possibilidades para o controle de uma gravidez indesejada, ou mesmo, em casos de infertilidade, a tão sonhada concepção de um embrião. Porém, para muitas intelectuais feministas, como a antropóloga Naara L. de Albuquerque Luna, a aplicação de técnicas reprodutivas merece uma atenção mais minuciosa, uma vez que ainda não são claros os efeitos e os custos reais de tais métodos.
Muitas mulheres são fortemente impelidas pela necessidade de procriar. É justamente fundamentada nesse desejo que a indústria farmacêutica tem desenvolvido e propagado técnicas e medicamentos capazes de instaurar na consciência coletiva a idéia de que, a partir de um determinado investimento, a gravidez se torna um produto fácil de se alcançar. O confronto com esse comportamento é o que tem motivado muitas feministas à análise dos procedimentos medicinais ligados à fertilidade prescritiva. Em observação a essas preocupações é notória a necessidade de se estudar esses fenômenos, para então saber em qual medida eles são realmente necessários à sociedade.
No sistema capitalista, de acordo com a abordagem marxiana, a lógica da economia se dá em favor da maximização dos lucros dos proprietários dos meios de produção. Ou seja, o mercado não se apóia somente nas necessidades existentes da sociedade, mas também incita a criação de novas demandas, que vão incutir nos consumidores o desejo pela aquisição de produtos e bens que não lhe são verdadeiramente essenciais. Tendo como fundamento essa linha de pensamento, pode-se afirmar que o fenômeno relacionado à propagação de técnicas que, em casos de esterilidade, prometem o milagre da concepção são na verdade meios pelos quais determinados segmentos do mercado (leia-se indústria farmacêutica e prestadores de serviços ligados a área de saúde no setor privado) impõem suas leis de dominação.
Hoje, o movimento social que visa à valorização da “mulher-sujeito”, e não somente ele, como também todos os segmentos capazes de produzir o saber científico precisam estar atentos à forma como as questões de gênero são manipuladas pelos mecanismos opressores da sociedade. É preciso estar ciente de que os comportamentos considerados inofensivos e até mesmo aqueles que apresentam certa “utilidade social”, precisam ser estudados de forma a elucidar todos os seus meandros. Em uma sociedade tão complexa como a atual, é imprescindível estar a par de como e por quem foram compostas as historicidades manifestas nos mais variados fatos formadores da realidade.